As eleições municipais de 2020, além da extrema especificidade das mudanças causadas pela pandemia com o adiamento do pleito (concretizado com a promulgação da Emenda Constitucional 107/2020), será um laboratório político para se observar os efeitos práticos das mudanças nas regras eleitorais. O fim das coligações proporcionais para as candidaturas legislativas, o limite no autofinanciamento de campanha e as mudanças no fundo eleitoral deverão mexer no nosso processo eleitoral.
Desde o processo de redemocratização em nosso país, até o presente momento, podemos observar uma profunda mudança das estruturas e organizações partidárias. Se durante a ditadura militar o regime reconhecia somente duas siglas políticas e colocava diversas agremiações na ilegalidade, em 1982 já pudemos ver um crescimento do número de partidos dentro da Câmara dos Deputados. Àquela época, cinco partidos diferentes ocupavam as cadeiras do plenário. Já após as eleições de 2018, o número de partidos com representação na Casa chegou a 30. A tendência à proliferação de pequenas siglas é notória.
Com a autonomia e o pluralismo partidário garantidos na Constituição Federal de 1988, hoje são 33 os partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O crescimento no número de siglas visivelmente se deve em parte às coligações eleitorais, por vezes realizadas não somente por afinidades programáticas e ideológicas, mas certamente como estratégias de campanha que buscam maiores tempos de rádio e TV, maiores financiamentos e coeficientes eleitorais que permitiam que os chamados “puxadores de votos” criassem bancadas parlamentares que nem sempre representavam diretamente a vontade do eleitor depositada nas urnas.
O fim das coligações proporcionais para os cargos legislativos certamente veio para tentar minar a proliferação das pequenas siglas pouco programáticas, mas que serviam como partidos de barganhas nas coligações. Assim, a tendência é que vejamos uma maior identificação ideológica entre partidos, candidatos e eleitores. Certamente os partidos menores deverão perder representação parlamentar e terão mais dificuldade de ultrapassar a cláusula de barreira, e é provável que os maiores partidos se consolidem e os menores percam força. Se por um lado isso reforçará programaticamente os partidos, por outro lado tornará ainda mais difícil que minorias sociais e políticas se expressem com partidos próprios, o que pode ser ruim para o processo democrático.
Quanto ao financiamento de campanha, um fator muito interessante no que diz respeito ao autofinanciamento dos candidatos às suas campanhas começará a valer. A partir deste ano, os candidatos só poderão usar recursos próprios em cada campanha até o total de 10% dos limites previstos para gastos ao cargo em que concorrer. A nova legislação visa reduzir o abuso do poder econômico de candidatos muito ricos, como vimos nas últimas eleições gerais, que permitiram que outsiders super ricos e novos no meio político se elegessem, como foi o caso de João Dória em São Paulo.
Priorizar o financiamento público das campanhas eleitorais, em tese, permitiria uma maior igualdade de condições entre partidos e candidatos, limitando o abuso de poder econômico. Acontece que no final do ano passado o Congresso Nacional criou novas regras para acesso ao bilionário Fundo Eleitoral que acabaram por beneficiar uma oligarquia política já incrustada nas cadeiras representativas, é o que apontam os próprios dirigentes e parlamentares dos partidos com representatividade na Câmara.
É preciso ver a influência real da nova legislação após as eleições municipais deste ano. A tendência é uma redução de siglas partidárias e o fortalecimento das maiores legendas e uma maior identificação pessoal entre candidatos e eleitores. A preocupação é com a sobrevivência e a representatividade das minorias políticas.
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